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Sobre o tempo no cinema

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Par   •  24 Octobre 2023  •  Étude de cas  •  2 141 Mots (9 Pages)  •  102 Vues

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Sobre o tempo no cinema

          O cinema já tem mais de um século de vida e de história. Durante esses mais de 100 anos, diversos movimentos renovadores surgiram em ruptura ou em continuidade com o que vinha sendo feito, ampliando as discussões sobre a linguagem do cinema. Após o apogeu do cinema clássico norte-americano em 1939, e após a Segunda Guerra Mundial, novos modos de fazer cinema surgem, se contrapondo ao que vinha sendo feito e difundido pela Grande Hollywood. Uma questão para a qual esses novos olhares vão se atentar é o tempo e o ritmo na sétima arte. Vamos explorar num primeiro momento, como se constrói a noção de tempo no cinema, passando por como o cinema norte-americano “impôs” um padrão para essa, e por fim como cineastas dos Cinemas Novos vão brincar com a construção temporal dos filmes em busca de efeitos particulares. Para isso analisaremos trechos dos filmes Umberto D (1952), de Vittorio De Sica e de O Ano Passado em Marienbad (1961), de Alain Resnais.

          O cinema é por definição o registro e exibição de imagens em movimento numa tela. Ele faz mais do que reproduzir algo que pertença ao mundo visível, como a imagem fotográfica por exemplo, mas justamente uma propriedade essencial à sua natureza, o movimento. A partir disto, surgem duas operações básicas na construção de um filme, a filmagem, opção de como vários registros serão feitos, e a montagem, a escolha do modo como as imagens obtidas serão combinadas e ritmadas. Essa segunda operação é um elemento fundamental considerado fundador da arte cinematográfica, e também é fundamental para o nosso objeto de estudo, o tempo, pois introduz a manipulação da continuidade do registro.

           A montagem é o momento da perda de inocência do espectador. É o momento do corte de uma imagem à outra, é quando se pode pôr em xeque a “semelhança” da representação frente ao mundo visível. Ao falar da montagem vamos falar necessariamente de continuidade ou descontinuidade, pois permite que a descontinuidade temporal seja diluída numa continuidade lógica. Ou seja, o tempo no cinema não segue necessariamente uma linha reta, constante, ele é manipulado através da montagem e suas diferentes técnicas; como a montagem métrica, montagem rítmica, montagem tonal etc. Sabendo disso, percebemos que o tempo no cinema é um mundo a ser explorado. A passagem de tempo de um dia pode durar minutos, como faz D. A. Pennebaker em Daybreak Express, ou segundos, assim como alguns segundos podem durar minutos, minutos podem durar horas, o passado pode ser mostrado depois do presente, em paralelo ao presente...

          Cinema é o uso criativo da realidade. É uma linguagem, o conjunto de símbolos, códigos e seus significados. Sendo assim, o diretor pode optar por ocultar o aparato tecnológico e econômico do cinema (efeito de transparência), criando uma ilusão de realidade, como se o filme não fosse uma construção do diretor, ou pode optar por revelar esse aparato ao espectador (efeito de opacidade), possibilitando um ganho de distanciamento e crítica. O cinema clássico norte-americano fundamentado nessa transparência, nesse efeito-janela, cria um padrão onde a sucessão de cenas e fatos ocorre de forma mais aceitável e natural possível.

          O cinema clássico norte-americano percebeu o potencia econômico do cinema, e desenvolveu um estilo onde a concepção cinematográfica fosse feita como produto de fábrica. Para isso foram reunidos três elementos básicos para produzir esse efeito específico naturalista, a decupagem clássica, que cria a ilusão e deflagra o mecanismo de identificação, a elaboração de um método de interpretação dos atores dentro de princípios naturalistas e a escolha de histórias pertencentes a gêneros narrativos populares e de fácil compreensão. Nos atentando aos aspectos que compõem o ritmo e a noção de tempo no cinema de Hollywood, iremos analisar aspectos da decupagem clássica que vão participar ativamente desta tarefa.

          A construção temporal nos cinemas clássicos é linear, geralmente a noção de anterioridade e posterioridade é construída na ordem direta do tempo cronológico. Além disso, um procedimento da decupagem clássica que vai ser fundamental para a criação do ritmo e tempo acelerado do cinema clássico norte-americano é a montagem paralela. Essa permite a sucessão temporal de planos correspondentes a duas ações simultâneas que no final se convergem. Dessa forma o diretor pode acelerar o desenvolvimento dos fatos e da história, alternando planos curtos, trazendo mudanças nos tipos de enquadramento, movimento e ângulos, de tal modo que os fatos pareçam sempre evoluir por si mesmos, de maneira fluente. Filmes de ação e comédia abusam até hoje dessa fórmula para criar um ritmo frenético e de fácil compreensão. O ritmo da montagem foi fundamental para o sucesso do cinema americano enquanto o cinema europeu era tachado de lento e básico.

          Os cinemas novos que surgem na Europa e no próprio território dos E.U.A vão romper com essa construção de tempo e ritmo industrial. O Neo-realismo italiano nasce numa época de penúria total, numa Itália devastada pós Segunda Guerra e pós regime fascista, sem recurso para se fazerem filmes. Os diretores vão fazer cinema na cara e na coragem.

          O filme incrivelmente atemporal, Umberto D, de Vittorio De Sica nos leva a acompanhar, numa Itália dos anos 50, um modesto senhor “Umbert D”, e seu cachorro “Flyke”, cuja aposentadoria é insuficiente para pagar o aluguel do quarto onde mora, e está preste a ser despejado. ​A jornada do protagonista é a luta pela sobrevivência, comida e moradia, e sobretudo para manter sua dignidade. O tempo no filme Neo-realista é verdadeiro, real. No início do filme, depois que Umberto chega à pensão onde mora, ele descobre que está doente e após alguns desdobramentos, liga na manhã seguinte para o hospital, pedindo um atendimento para ser internado. A cena em questão vem assim que ele volta para o quarto.

          A empregada doméstica, Maria acorda, fica um tempo parada na cama tentando criar forças para levantar, se espreguiçando. Ela senta na cama, esfrega os olhos, calça os chinelos, tudo no ritmo de alguém que está acordando, e aí sim levanta. Ela anda pelo corredor, praticamente se “arrastando”, entra na cozinha, onde ela vai para o fogão, risca o fósforo na parede, não consegue acender a boca de primeira. Ela vai até a janela, olha pela janela um gato passeando pelos telhados de Roma, ela olha a paisagem. A câmera faz um Zoom In em seu rosto e nós vemos seu semblante, parece estar angustiada. Vai até o armário na parede oposta à da janela, pega o bule de café, anda até a pia, limpa as formigas da parede do lado da pia com a água da torneira, dá um gole dessa água e enche o bule. Indo de volta pro fogão ela passa na mesa, pega um papel e um tinteiro que estavam largados ali em cima, guarda-os na cômoda do lado da janela, vai até o fogão com o bule na mão, põe o bule na boca do fogão. Para, olha para barriga, passa a mão no peito e depois corre até a barriga, ela está grávida, a câmera novamente se aproxima e ela chora. Ela engole o choro, vai até a mesa, pega o moedor de café, senta na cadeira e começa a moer o café chorando, e fecha a porta delicadamente com o pé, para que ninguém a veja assim.

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